Quem era Exu e sua origem no culto africano? Neste artigo, você vai explorar a fascinante mitologia de Exu, um dos personagens mais importantes do candomblé e da umbanda. Você aprenderá sobre seus papéis, seus sincretismos, e como ele conecta diferentes culturas e religões. Além disso, descobrirá os rituais, as oferendas, e os significados por trás de Exu, assim como sua influência na sociedade moderna e na educação espiritual. Prepare-se para mergulhar em um universo rico e cheio de sabedoria popular.
A História de Exu na Mitologia Afro-Brasileira
A Origem de Exu no Culto Africano
Exu é uma das divindades mais antigas e fundamentais do panteão iorubá, cultuado na África Ocidental, especialmente entre os povos da Nigéria, do Benim e também presente em regiões do Togo e Gana. Sua figura atravessa fronteiras culturais e aparece sob diferentes nomes, como Èṣù entre os iorubás, Legba entre os fon do Daomé e Bará em tradições jeje-nagôs. Essa diversidade de nomes mostra sua amplitude e a centralidade de sua função espiritual.
Conhecido como mensageiro dos Òrìṣàs, Exu é o guardião das encruzilhadas e o princípio do movimento, da comunicação e da transformação. Pierre Verger destaca que “Exu é o princípio dinâmico que assegura a circulação das energias entre os homens, os Òrìṣàs e o universo”. Ele é, portanto, o elemento indispensável que permite o diálogo entre os mundos visível e invisível.
Em sua origem africana, Exu é também associado ao tempo, ao acaso e à sexualidade, dimensões que representam a força criadora da vida. Reginaldo Prandi observa que Exu “é a própria vitalidade, o impulso que gera a mudança, o movimento incessante que impede a estagnação”. Seu culto reflete essa multiplicidade: ele é tanto guardião como provocador, protetor como questionador.
Diferente da visão distorcida herdada do período colonial e da ação missionária europeia, que traduziram seu nome como “demônio” para justificar a demonização das religiões africanas, Exu jamais foi uma entidade maligna. Ele é aquele que abre os caminhos e testa a sabedoria de quem o invoca, sendo reverenciado como força de equilíbrio. Edison Carneiro já explicava que, sem Exu, nenhuma oferenda chega aos demais Òrìṣàs, pois é ele quem garante o trânsito das energias rituais.
Assim, Exu surge como o primeiro a ser cultuado em qualquer ritual, pois sua função é tornar possível toda comunicação espiritual. Seu culto não é periférico, mas central — é ele quem dá movimento ao mundo e permite que o axé circule livremente.
Além disso, o culto a Exu está ligado à própria organização social africana. Nas aldeias, suas representações eram colocadas nas entradas das casas, nas encruzilhadas e nos mercados, locais de passagem e trocas, onde seu poder de comunicação e negociação se manifestava de forma intensa. Essa presença cotidiana reforça a ideia de que Exu não é apenas uma divindade distante, mas um companheiro da vida prática, participando diretamente da dinâmica social e espiritual.
Exu e Seus Papéis na Mitologia
Exu é multifacetado e sua importância vai além do papel de trickster. Entre suas funções estão:
- Mensageiro: leva recados entre Òrìṣàs e humanos.
- Guardião: protege encruzilhadas e entradas.
- Transformador: gera movimento, mudança e vitalidade.
- Provocador: desafia e obriga à evolução.
Reginaldo Prandi afirma que Exu garante o equilíbrio cósmico, impedindo a estagnação.
Exu também desempenha o papel de fiscal das ações humanas. Ele observa, testa e coloca os homens diante de escolhas. Essa dimensão pedagógica de Exu é central: ele não pune sem razão, mas ensina através das consequências. Muitas de suas lendas mostram que ele valoriza a esperteza, a sabedoria prática e a capacidade de adaptação diante das dificuldades.
Exu na Umbanda e no Candomblé
- Na Umbanda: Exu se manifesta como entidade espiritual, trabalhador da esquerda. Atua no descarrego, abre caminhos e auxilia na comunicação entre os planos. W. W. da Matta e Silva diz que “sem Exu não há comunicação possível na Umbanda, ele é a boca e o ouvido dos terreiros”. Diferente de sua figura como Òrìṣà no Candomblé, na Umbanda Exu se apresenta como espírito que já viveu na Terra e que trabalha pela evolução dos encarnados e desencarnados.
- No Candomblé: Exu é Òrìṣà primordial. É sempre o primeiro a ser saudado, pois sua energia é fundamental para que os rituais sigam adiante. Ele representa o movimento, a transformação e a vitalidade universal. Cada terreiro tem formas específicas de cultuá-lo, mas todos reconhecem sua importância central.
Essa diferença entre Umbanda e Candomblé mostra a riqueza das religiões afro-brasileiras, que reinterpretam as figuras espirituais de acordo com suas cosmologias próprias.
Oferendas e Atributos de Exu
As oferendas são fundamentais para manter a relação de respeito com Exu. Entre as mais comuns estão:
- Cachaça e fumo → estimulam a comunicação.
- Farofa de dendê, carnes e grãos → representam abundância.
- Frutas e velas vermelhas e pretas → energias vitais e proteção.
Seus atributos incluem:
- Cores: vermelho (força) e preto (mistério).
- Objetos: tridente, ogó, chaves.
- Qualidades: comunicação, movimento, sabedoria, proteção.
Cada oferenda e cada objeto tem um sentido profundo. A cachaça, por exemplo, simboliza a alegria e a vitalidade. O fumo é associado à purificação e à expansão da comunicação. As chaves representam a abertura de caminhos e o tridente simboliza sua força e poder de decisão.
Exu e a Cultura Afro-Brasileira
Exu é também inspiração cultural e símbolo de resistência nas expressões afro-brasileiras. Sua presença é marcante em sambas, maracatus, capoeira, jongos e marujadas, onde muitas vezes é celebrado em versos e cantos que exaltam sua astúcia, vitalidade e poder de abrir caminhos. Na literatura, aparece em obras de Jorge Amado, Mário de Andrade e em contos populares que o retratam como protetor dos marginalizados e guardião dos que vivem à margem da sociedade.
No campo da música, Exu é citado em sambas-enredo, pontos cantados e até no rap contemporâneo, sendo reinterpretado como figura de luta e transformação. Nos blocos de maracatu, sua energia é evocada como força que guia os cortejos pelas ruas. Na capoeira, seu espírito brincalhão e provocador inspira a malícia e a esperteza do jogo.
Além das artes, Exu aparece como referência estética: sua iconografia está presente em pinturas, esculturas, grafites urbanos e até na moda afro, que utiliza suas cores (vermelho e preto) como afirmação identitária. Essa ressignificação faz dele não apenas uma divindade religiosa, mas também um símbolo político de resistência contra o racismo e a intolerância religiosa.
Reginaldo Prandi observa que a figura de Exu traduz a adaptação da religiosidade africana às condições de opressão no Brasil, tornando-se símbolo de liberdade e criatividade. De fato, muitos grupos sociais evocam Exu como arquétipo de comunicação, luta e transformação.
Na sociedade moderna, Exu continua presente em músicas, festas populares, rituais de terreiro e manifestações artísticas diversas. Cada vez mais, ele é ressignificado como emblema da identidade afro-brasileira, inspirando movimentos culturais, acadêmicos e sociais que defendem a pluralidade religiosa e a valorização das raízes africanas.
Lendas de Exu
As histórias de Exu são chamadas de itãs e carregam ensinamentos profundos sobre sua natureza e a relação entre homens e deuses. Algumas das mais conhecidas são:
- Exu e o poder da comunicação: conta-se que Exu recebeu o poder da fala ao engolir todas as palavras do mundo, tornando-se o único capaz de levar recados entre os Òrìṣàs e os homens. Desde então, nada pode ser dito sem passar por ele.
- Exu esquecido no ritual: uma lenda relata que, ao ser negligenciado em um sacrifício, Exu impediu que qualquer oferenda chegasse aos outros Òrìṣàs. Os pedidos ficaram sem resposta, e a ordem foi rompida. Por isso, ele é sempre o primeiro a ser homenageado em qualquer culto.
- O chapéu bicolor: talvez a história mais conhecida, em que Exu colocou um chapéu metade preto e metade vermelho e passou entre dois amigos. Cada um jurou ter visto apenas uma cor, e acabaram brigando. Exu revelou o truque, ensinando que a verdade pode ter múltiplas faces e que o julgamento precipitado gera conflito.
- Exu e a fertilidade: em outro itã, Exu espalhava vida e movimento pelas aldeias, representando a potência criadora do universo. Sua energia sexual simbolizava abundância e fecundidade, motivo pelo qual é reverenciado também como força geradora.
- Exu e Orunmilá: em uma narrativa iorubá, Exu e Orunmilá, o oráculo da sabedoria, firmaram um pacto. Exu seria o portador dos ebós (oferendas) necessários para que os conselhos de Ifá se realizassem. Essa lenda reforça a ideia de que sem Exu nada acontece, mesmo diante da sabedoria dos deuses.
- Exu e Ogum: há ainda histórias em que Exu e Ogum caminham juntos, pois ambos abrem caminhos — Ogum com sua espada e Exu com sua astúcia. Esses itãs reforçam a ideia de complementaridade entre os Òrìṣàs.
Essas lendas revelam Exu como mestre da comunicação, da transformação e da relatividade, além de guardião da ordem cósmica. Ele é ao mesmo tempo provocador e protetor, símbolo de vitalidade e da eterna necessidade de movimento que mantém o universo vivo.
Exu na Sociedade Contemporânea
Exu, antes estigmatizado pela visão colonial, hoje é cada vez mais reconhecido como símbolo de resistência cultural e religiosa. Nos movimentos sociais afro-brasileiros, sua imagem é reivindicada como forma de afirmação identitária. Em festivais culturais, palestras acadêmicas e movimentos de valorização da cultura negra, Exu é lembrado como mediador, comunicador e protetor.
Nas redes sociais, cresce o movimento de ressignificação de Exu, que busca desconstruir a associação com o mal e reafirmá-lo como orixá fundamental da vida, da comunicação e da vitalidade. Jovens artistas, músicos e escritores o colocam como referência em suas obras, mostrando que sua influência segue viva e dinâmica.
Conclusão
Exu não é apenas uma figura mítica, mas o princípio do movimento e da transformação, presente desde a gênese dos cultos africanos. Nos terreiros de Candomblé e Umbanda, sua presença evidencia a força da tradição ancestral africana e sua capacidade de adaptação no Brasil. Da África ao Atlântico, Exu carrega consigo a marca da sobrevivência cultural e espiritual de um povo.
Como lembra Mãe Stella de Oxóssi: “Exu é vida em movimento. Sem ele, nada anda.” Essa afirmação sintetiza sua função essencial: dinamizar o axé, abrir caminhos e permitir que a comunicação entre humanos e deuses seja possível.
A cada encruzilhada da vida, Exu nos recorda que estamos diante de uma oportunidade de escolha, crescimento e sabedoria. Ele nos ensina que não existe caminho sem decisão, nem evolução sem movimento. ✨

Pai José de Aruanda é um espiritualista dedicado ao estudo e à prática das energias de Exu e Pombagira. Com anos de experiência no culto e na vivência dessas entidades, ele compartilha seu conhecimento com o intuito de desmistificar e honrar a força desses orixás. Seu trabalho busca proporcionar um entendimento profundo sobre as culturas e tradições afro-brasileiras, transmitindo sabedoria ancestral com respeito e autenticidade.